quarta-feira, 24 de agosto de 2011
A MINHA MÃO SOBRE O TEU ROSTO
Em qualquer parte do mundo
Em que contemples a solidão mais intensa
Em todas as fronteiras da dor
Onde tua pele se desfaz no arame farpado
E no olhar raivoso dos carcereiros do sonho
No teu rosto desfigurado
Menino africano de todos os continentes
Nos teus seios secos e nos olhos sem lágrimas
Mãe preta de todas as raças
Nos teus filhos que foste enterrando
Nos caminhos dos desertos da agonia
Nos que cerram os punhos
Ao sangue da rua
Na Europa africana dos mercenários implacáveis
No coração timorato dos que dominam a palavra
E se não comprometem
Naqueles que desenham mapas
E os repartem pelos chacais
Nos que esperam por todos os prémios
E se calam ao desespero
Das bocas famintas de pão e de luz
Aos que nos deixaram a coragem
Do seu passado de mil lutas
E cuja memória vagueia triste nas ruas de Chicago
Ou nos campos silenciados do Alentejo
Aos que vestiam os seus fatos proletários aos domingos
Com as mãos calejadas pelo esforço inglório
Mas que tinham a doçura de colocar no rosto dos filhos
A carícia que mais tarde seria fúria
Quando enfrentavam a polícia nas praças em tumulto
À aldeia deserta e aos velhos que partem sem memória
Porque a memória deste tempo os esqueceu
E com eles parte a história da nossa ternura da infância
Como se abate um castanheiro que chora sobre o vento
A maldição do fogo e o desprezo dos homens
Aos que habitam os territórios cercados
E mesmo assim cantam a canção
Um hino ao sol
Chamando a multidão
Aos que se dão inteiros
Sangue coração lágrimas e revolta
Íntegros e radicais no sonho
E que nunca terão estátuas nas praças
Mas serão cantados pelos jograis antigos
Às mulheres que se dão por amor
Às que se entregam em bordeis e mesmo aí repartem a felicidade
Às que se deixam amortalhar em vida servindo seus amos
Que pode ser o patrão o marido os filhos
Limpando o pó abrindo as pernas refogando o arroz
À minha vida à vossa vida
À nossa morte (porque ela é nova vida)
Às nossas batalhas de rua
À terra prometida
Que como Moisés já não verei
Mas que sei onde fica
Ali onde deixei o meu sangue
E onde te beijei a primeira vez
Sobre esta vida e esta morte eu alongo as minhas mãos
Confortarei os moribundos
Darei coragem aos combatentes
Alento aos que recuam na caminhada
E escreverei no papiro o tesouro guardado nas montanhas
Que não se destina a fabricar bezerros para adoração
Mas a comprar pão vinho e grinaldas
E a colocar sobre os peitos das raparigas
O sinal do amor no tempo de todas as promessas
As minhas mãos
As minhas mão que tremem e se inventam
As minhas mãos sobre todos os rostos
Sobre a terra inteira
Sobre a minha vida
Sobre a minha morte
As minhas mãos sobre a história do mundo
Essa história que se anuncia e que não verei
mas que encontrará aqui o meu sorriso…
Manuel Monteiro
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário