domingo, 27 de junho de 2010

TUDO RECOMEÇA AQUI (na morte do tio José)

Se fores ao bosque
leva o teu neto pela mão
porque só ele pode receber da natureza
os inebriantes fluídos da vida

a não ser que despertes
a criança que há em ti
e que te lembres
do tempo deslumbrante
das primeiras flores
onde todos te amavam
e onde eras eterno

porque todos ali estavam
e a morte era um fantasma
a descobrir

Manuel Monteiro

sexta-feira, 11 de junho de 2010

CONTRA A GUERRA COLONIAL, SEMPRE!

Para já uma declaração: eu fui um dos combatentes que estive na guerra colonial, em Angola, de 1970 a 72. Estive, infelizmente, porque tinha a consciência que estava a praticar um acto de agressão contra o povo angolano. Mas segui a directiva do PC de lutar, por dentro, contra a guerra. A minha companhia, a CCaçadores 1101, sofreu 12 baixas, eu era infermeiro e tive que suportar com o tratamento dos cadávers desses queridos camaradas.
Arrependi-me amargamente de ter participado nesse acto de agressão.
Nunca o povo português, desde os trabalhadores mais simples aos intelectuais de todas as tendências, me insultou por ter participado nessa guerra. O que as pessoas condenavam era a guerra colonial.
Entretanto os meus camaradas que de lá vieram com graves problemas psicológicos foram abandonados por todos os poderes. Eu próprio tive problemas que superei devido à compreensão ideológica destas contingências históricas e com a ajuda de um psicólogo amigo.
O Paulo Portas, num acto demagógico, atribui uma pensão de 150 euros aos ex-ombatentes. 150 por dia? Por mês? Não. 150 euros POR ANO! O,41 CÊNTIMOS POR DIA! Nem para um café dá…
Vêm agora dois tipos fazer um discurso demagócio, chamando à guerra colonial, guerra do ultramar(no bom estilo fascista e patrioteiro). Um deles parecia que estava a fazer um acto de contrição, António Barreto, por ter sido desertor. Na opinião de Barroso, na SICNoticias, parecia que Barreto queria naqueles 20 minutos de discurso cumprir o serviço militar que não fez porque foi desertor na Suiça…
Mais uma vez pergunto: porquê levantar agora a questão colonial numa terminologia fascista de guerra no ultramar? Porquê assemelhar agora o dia de Camões com o dia da raça, onde o Tomás condenava o terrorismo e condecorava as viúvas das vítimas dos actos do governo fascista de então? Porquê esta retórica demagógica e patrioteira quando abandonam os ex-combatentes e suas familias aos seus dramas do stress pós-guerra?
O que se pretende não é homenegear os combatentes mas é branquer uma página negra na nossa história, sob a responsabilidade de um governo fascista e colonialista! O que se pretende é absolver os generais fascistas que fizeram a guerra e com ela lucraram! Alguns destes oficiais fizeram depois o 25 de Abril? Muito bem, todos podem evoluir e levantarem-se da lama em que cairam e caminhar para actos heroicos. Mas isso não pode branquear os seus graves erros, participando na subjugação dos povos africanos…
Acho o post do Daniel Oliveira,publicado no Arrastão - na senda da demagogia de António Barreto - uma posição miserável, nacionalista, que, objectivamente, participa na tentativa de branqueamento de uma das páginas mais negras da nossa história.
Faço esta denúncia violenta pouco me importando com as vozes farisaicas que se vão levantar contra mim. Devo esta denùncia aos meus filhos e netos. Devo-a à juventude que está a ser envenenada pelo reescrever da história. Devo-a aos povos africanos, com um pedido de desculpas por, apesar de estar do lado deles, ter participado na sua opressão.
Manuel Monteiro

terça-feira, 1 de junho de 2010

FÉRIAS DE POBRE

o pé acetinado a anca fina
a boca perdida por beijos-
mulher assim nem miss de arredondados seios

claro era o mar
ondas só no teu corpo de sereia
mergulhava as mãos na tépida água
e com elas empurrava a jangada
em direcção à ilha paraíso

mas havia algo estranho:
em vez do som do hula hula
era um fado chunga que me embalava

quando acordei
uma gorda mulher passava a ferro
os putos na rua esmurravam-se furiosos
e o cão ladrava que nem um desalmada

e eu tinha a mão mergulhada no penico
estacionado junto à cama

Manuel Monteiro

Do meu livro de poemas IMPERFEITA SABEDORIA