quinta-feira, 27 de outubro de 2011

POEMA DO INVERNO

adormece ou morre
neste outono-inverno
o fantasma da infância
e a doce lembrança dos que amei

desfeita em farrapos
a bandeira do mundo novo
é como uma fogueira em cinzas
(ainda assim trémula de esperança)

poema eram teus doces lábios
no parque eduardo VII
e teus seios em oferta
numa pensão manhosa do Intendente
(e o Gianni Morandi era o Sartre dos pobres)

e depois Alcântara
o cais e os lenços brancos
e amor
nunca mais seremos inocentes

porque nas mãos
trago sangue de irmãos
e aerogramas de lágrimas

inverno é o que sinto
para além da chuva
porque as vozes que me habitam
ouvi-as numa emboscada em Angola:
mãe quero morrer...

Manuel Monteiro

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

POR ESTE CAMINHO VAI TANTA GENTE- ROMANCE

"Mesmo quando andamos distraídos ou tristes podem surgir nas nossas vida seres e acontecimentos que exigem de nós um olhar atento. Às vezes basta reparar numa mesa de café. Foi o que aconteceu naquele dia em que o Madragoa viu um velho sentado no cantinho do bar. Contaram-lhe que se sentava sempre na mesma mesa e que, se esta estava ocupada, afastava-se a resmungar. Bebia o que tinha a beber, tirava dos fundos bolsos do velho sobretudo papéis amarrotados que lia, mexendo ligeiramente os lábios.
Disseram-lhe mais tarde que foi um homem importante, até chegou a ser deputado, de direita, monárquico.
Tirando os resmungos nos dias em que a mesa favorita estava ocupada, entrava mudo e saía calado, embora com um sorriso meio trocista que lhe dava um aspecto de avôzinho protector.
Um dia Madragoa entrou no bar que se encontrava completamente cheio. Pediu-lhe licença para se sentar à sua mesa. Acenou que sim, com a cabeça. Madragoa andava a ler a biografia de Ché Guevara, e pos o livro no tampo da mesa, enquanto bebia o café. O velho olhou para a capa e fixou o seu vizinho de mesa. Entreabriu os lábios e disse num murmúrio:
-Homem coerente, esse tipo. Sabe, os revolucionários arrependidos são como as putas em fim de carreira. Procuram a todo o transe a respeitabilidade e têm uma coisa em comum: ambos se envergonham do passado.
Madragoa queria acreditar que o homem não o conhecia de lado nenhum, mas aquilo soou-lhe a provocação. Não soube porquê, mas começou a sentir um certo mal-estar. Deu as boas tardes e saiu.
Onde é que o raio do velho o atingiu? Estava a atacá-lo, a elogiá-lo, ou a preveni-lo?
Esteve uns meses sem passar pelo bar. Quando lá retornou perguntou pelo velho.
-Cheirava tão mal que o patrão, devido à reclamação de alguns clientes, proibiu a sua entrada – respondeu o empregado.
Ficou triste. Porque é que homens grandiosos às vezes têm um final destes?
Sentou-se na mesa onde se sentava o velho sábio e abriu o jornal, mas a vontade de ler era pouca. Foi passando os olhos pelo matutino, até que uma pequena notícia o despertou da letargia. “Na Austrália, um surfista de 28 anos foi atacado e morto por um tubarão gigante. As autoridades australianas encetaram uma perseguição ao grande predador, para o abater. O irmão mais velho do surfista morto pelo tubarão pediu às autoridades que não o abatam, no caso de o encontrarem”.
Triunfará a visão compassiva do familiar do defunto ou a sanha justiceira das autoridades marítimas? Madragoa, se fosse o tubarão, não confiava em ninguém e punha-se bem ao largo até que o crime seja esquecido. É que vivemos em sociedades cuja compaixão pelos velhos é nula, quanto mais por tubarões...
Saiu do bar e deu uma volta pela zona dos Anjos. Sentou-me num banco do jardim, em frente à igreja. Os sem-abrigo e os pobres abrigados esperavam pelo almoço, servido gratuitamente no refeitório defronte ao templo. Estava pensando como esta sociedade é injusta, quando um velhote se sentou a seu lado. Pediu-lhe um cigarro.
-Não fumo.
Mas, condoído, deu-lhe cinco euros.
-Compre um maço. Por que chegou a isto? - perguntou, com entoação moralista.
-Seja para que lado que um pobre se vire, ficará sempre do lado onde o sol não brilha – respondeu o mendigo. – Sim, porque essa treta de que o sol quando nasce é para todos não passa de cantiga para embalar tontos...
Afinal, aquele homem não era um sem-abrigo; era um profeta.
Depois veio uma mulher, também de idade avançada. Lamentou-se que não conseguira tirar a senha da refeição, e que assim ia ficar todo o dia sem comer.
Madragoa tirou mais cinco euros do bolso e passou-os para as mãos da chorosa mulher. Olhou para ele com imensa gratidão.
-Se passar por aqui à noitinha dou-lhe uns beijinhos molhados, ali ao fundo do jardim.
Ao notar que Madragoa não compreendia a oferta, explicou-se com toda a crueza:
-Faço-lhe um broche, como paga pela sua generosidade...
Nestas duas vidas, irmãs na desgraça, mora o que de bom e de degradante se alberga no coração humano. Um, apesar de toda a humilhação, tem a consciência lúcida da condição marginal e das suas causas. Outro entrega o frágil corpo em troca de uns míseros euros. No entanto, tanto um como a outra merecem a mesma justiça: o resgate da sua dignidade."

Excerto do meu próximo romance POR ESTE CAMINHO VAI TANTA GENTE

Manuel Monteiro

sábado, 10 de setembro de 2011

QUEM SOU EU PARA DESMENTIR O MESTRE?

"Mas a questão é: o nosso desemprego não será solucionado enquanto os senhores não ficarem desempregados"

Bertolt Brecht

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

POR ESTE CAMINHO VAI TANTA GENTE-ROMANCE

"O pai Manuel foi apontado a dedo pelos moradores como o causador da morte de quase todos os gatos e cães do bairro. Alguns atenuaram a acusação devido ao facto de se terem visto livres das perigosas ratazanas. E depois cães e gatos é espécie que se reproduz com facilidade e, passados poucos meses, já o repovoamento estava feito. O que os moradores não perdoaram ao pai Manuel foi a chacina das galinhas. Os coelhos escaparam porque são animais de cativeiro, e aqui se prova que a liberdade nem sempre é um bem. Os ditadores seguem esta lógica e reproduzem nos países o que os humanos praticam nas coelheiras."

Excertos do meu próximo romance POR ESTE CAMINHO VAI TANTA GENTE

Manuel Monteiro

domingo, 4 de setembro de 2011

POE ESTE CAMINHO VAI TANTA GENTE

"...os revolucionários arrependidos são como as putas em fim de carreira. Procuram a todo o transe a respeitabilidade e têm uma coisa em comum: ambos se envergonham do passado."

Excerto do meu próximo romance POR ESTE CAMINHO VAI TANTA GENTE

Manuel Monteiro

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

A QUEM AMEI


Ah minha terra da infância
Meu rio de águas claras
Minha torre de mouras encantadas

Ah teu corpo tímido
Dando-se ao meu
Como orvalho à madrugada

Meus amigos do pião
Que são agora rostos
Que minhas mãos desconhecem

Minha pequena aldeia de silvedos
E encantamentos
Meu berço e meu caixão

Ah meu amor primeiro
Perdido para sempre
Que esconde seus olhos velhos
Quando passa o ancião que sou

Oh terra oh gente
Deixai-me chorar pelo menino que fui
E pelo moribundo que sou
Deixai-me sentir o vento
O murmurar do rio
E sentar-me à sombra da torre
Que embalou meus passos

Oh minha terra da infância
É um velho que te fala
Que te abraça
Que te oferece seus filhos e netos

Que te abraça oh terra
Com os olhos no passado

Com saudades do futuro





Manuel Monteiro

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

CORTES NA DESPESA? LIQUIDEM-SE OS POBRES!

A tua nota foi criada.
Eles anunciam em grandes parangonas que vão fazer cortes na despeza como nunca se verificou desde 1950.
"Vai ser uma redução na despesa histórica", proclama o ministro da economia com o ar feliz de um tolinho que brinca com uma granada.
Afinal, o corte na despesa não é nas mordomias dos ricos nem nos privilégios dos altos quadros do estado.
O corte na despesa será na saúde para os pobres, no ensino público, no aumento dos transportes, na subida da electricidade e do gaz, no roubo do 13º mês, no próximo aumento do IVA, na introdução das portagens nas estradas do interior mais pobre.
Todas as medidas de austeridade recairão sobre os que já pouco tinham, enquanto as grandes fortunas continuarão a aumentar...
Então, meu povo, cá nos encontraremos: ou na rebelião mais radical contra estes vampiros da nossa felicidade
Ou, baixando os braços, numa sopa dos pobres de uma instituição de caridade de uma cidade qualquer...

Manuel Monteiro

domingo, 28 de agosto de 2011

ELES CUMPREM O QUE PROMETEM

Diziam os capitalistas quando, em pleno PREC, nós gritávamos com toda a convicção que deviam ser os ricos que deviam pagar a crise:
-Pois é, vocês, os revolucionários, querem acabar com os ricos que geram riqueza; nós, os capitalistas, queremos acabar com os pobres...
E não é que estão a cumprir a promessa?
Estão a acabar com os pobres...MATANDO-OS À FOME!

Manuel Monteiro

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

ANTES ÓRFÃO...

Num grave acidente no IC2 uma família ficou desfeita com a morte de 4 pessoas dessa família.
A esse acidente sobreviveu uma menina de 10 anos, filha e neta dos sinistrados.
No funeral, o padre realçou o facto das pessoas sofrerem o acidente quando regressavam de uma romagem a Fátima.
"Que maravilha! Tiveram a bênção de Nossa Senhora, a nossa mãe..."
Que maravilha? Maravilha esta morte horrorosa? Maravilha o sofrimento desta menina órfã?
Nossa Senhora, nossa mãe?
Bem, eu prefiro ser órfão a ter uma tal indiferente mãe...

Manuel Monteiro

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

A MINHA MÃO SOBRE O TEU ROSTO



Em qualquer parte do mundo
Em que contemples a solidão mais intensa

Em todas as fronteiras da dor
Onde tua pele se desfaz no arame farpado
E no olhar raivoso dos carcereiros do sonho

No teu rosto desfigurado
Menino africano de todos os continentes

Nos teus seios secos e nos olhos sem lágrimas
Mãe preta de todas as raças

Nos teus filhos que foste enterrando
Nos caminhos dos desertos da agonia

Nos que cerram os punhos
Ao sangue da rua
Na Europa africana dos mercenários implacáveis

No coração timorato dos que dominam a palavra
E se não comprometem

Naqueles que desenham mapas
E os repartem pelos chacais

Nos que esperam por todos os prémios
E se calam ao desespero
Das bocas famintas de pão e de luz

Aos que nos deixaram a coragem
Do seu passado de mil lutas
E cuja memória vagueia triste nas ruas de Chicago
Ou nos campos silenciados do Alentejo

Aos que vestiam os seus fatos proletários aos domingos
Com as mãos calejadas pelo esforço inglório
Mas que tinham a doçura de colocar no rosto dos filhos
A carícia que mais tarde seria fúria
Quando enfrentavam a polícia nas praças em tumulto

À aldeia deserta e aos velhos que partem sem memória
Porque a memória deste tempo os esqueceu
E com eles parte a história da nossa ternura da infância
Como se abate um castanheiro que chora sobre o vento
A maldição do fogo e o desprezo dos homens

Aos que habitam os territórios cercados
E mesmo assim cantam a canção
Um hino ao sol
Chamando a multidão

Aos que se dão inteiros
Sangue coração lágrimas e revolta
Íntegros e radicais no sonho
E que nunca terão estátuas nas praças
Mas serão cantados pelos jograis antigos

Às mulheres que se dão por amor
Às que se entregam em bordeis e mesmo aí repartem a felicidade
Às que se deixam amortalhar em vida servindo seus amos
Que pode ser o patrão o marido os filhos
Limpando o pó abrindo as pernas refogando o arroz

À minha vida à vossa vida
À nossa morte (porque ela é nova vida)
Às nossas batalhas de rua
À terra prometida
Que como Moisés já não verei
Mas que sei onde fica
Ali onde deixei o meu sangue
E onde te beijei a primeira vez

Sobre esta vida e esta morte eu alongo as minhas mãos
Confortarei os moribundos
Darei coragem aos combatentes

Alento aos que recuam na caminhada
E escreverei no papiro o tesouro guardado nas montanhas
Que não se destina a fabricar bezerros para adoração
Mas a comprar pão vinho e grinaldas
E a colocar sobre os peitos das raparigas
O sinal do amor no tempo de todas as promessas

As minhas mãos
As minhas mão que tremem e se inventam
As minhas mãos sobre todos os rostos
Sobre a terra inteira
Sobre a minha vida
Sobre a minha morte

As minhas mãos sobre a história do mundo
Essa história que se anuncia e que não verei

mas que encontrará aqui o meu sorriso…

Manuel Monteiro





quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O QUE NÃO MATA, FORTALECE-NOS

Há momentos dolorosos nas nossas vidas, pequenas ou grandes tragédias que alteram o curso normal da nossa existência.
Há acontecimentos que nos deixam amargurados e perdidos num turbilhão de perguntas e revoltas.
De repente uma faca crava-se no mais fundo da nossa sensibilidade, empunhada por quem nós nutríamos afecto e até amor.
Logo a seguir repartem por nós o que esta sociedade tem para nos dar: desemprego,
dívidas,um futuro incerto, já não direi para nós, mas para os filhos e os netos.
Tudo à nossa volta parece ruir.
O que nos pode salvar? Quem nos pode libertar deste atoleiro?
Talvez quem a nosso lado sofre mais do que nós.Ou o nosso ideal puro da juventude. A ternura dos netos. A altivez brincalhona do gato Osborne. O projecto de novos romances.
Mas hoje estou mesmo em baixo.
Amanhã estarei melhor.
Porque o que não nos mata, fortalece-nos

Manuel Monteiro

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O ASSALTO NEOLIBERAL

É certo que das conquistas do 25 de Abril já pouco restava.
Mas havia um estado que poderíamos chamar de social, onde a população mais pobre, e os trabalhadores em geral, tinham um abrigo mínimo para as suas dificuldades.
Agora a classe dominante entrou a matar e do 25 de Abril, no plano social, não ficará pedra sobre pedra.
São agora os aumentos indiscriminados que penalizam os mais pobres e os assalariados de baixos salários. É a seguir o roubo do 13º mês. Segue-se a alteração das leis laborais para darem toda a força aos patrões, fazendo das relações laborais uma selva onde o leão é o patrão.
O culminar desta ofensiva será o ataque às liberdades fundamentais dos cidadãos. Começará pela revisão da constituição e vai ter a sua expressão prática na repressão do descontentamento popular, expresso em manifestações de rua e outros actos.
Lentamente estamos a caminhar para uma sociedade neo-fascista, a exemplo do que se passa na Europa. Só que aqui não é a extrema-direita que conduz esse processo. São os "Homens de Chicago", acoitados no PSD/CDS e alguns no PS.
É bom que a esquerda, a do sistema e a outra, se apercebam do que está em jogo e se deixem de jogos florais.
Isto não vai com requerimentos nem com indignações parlamentares. O calculismo eleiçoeiro pode deixar a direita neo-fascista com as mãos livres para todas as tropelias. E paralisar o movimento popular à canga do fatalismo salazarista.
Em Setembro há que vir para as ruas gritar, ocupar as praças, as avenidas, os bairros.
Discutir para agir, acordar as pessoas desta inércia e para expressarem a revolta surda num imenso clamor que faça recuar a direita revanchista.
Ou isso, ou então é o caminhar lento para um novo fascismo
Que caminho vamos escolher?

Manuel Monteiro

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

ARDERAM OS AMADOS CASTANHEIROS DA SERRA DO ALVÃO

ARDERAM OS CASTANHEIROS DA SERRA DO ALVÃO

O fogo beijou a serra
Não de paixão mas de fúria
E os amados castanheiros
Que nos abrigavam à séculos
Foram a imagem do que seremos:
Cinza e solidão

E tu disseste-me avô:
A montanha é feia
Quando se desnuda
Diferente é a mulher –
Na sua nudez
Toda a beleza é possível
Até eu
Cuja mulher se vai desgastando
Sinto o corpo livre e jovem
Nas noites em que absorvo
A sua nudez

As tuas palavras
Avô
Foram condenadas
Pelas velhas mulheres
Mortas pelo tempo
Mas hoje avô
Que quase tenho a tua idade
Sinto como eras sábio e terno
E de como me preparas-te em alegria
Para a fúria do fogo
E para as cinzas que seremos

Manuel Monteiro


sexta-feira, 17 de junho de 2011

MAIS UM!

Anunciam os jornais que Nuno Crato, antigo e perigoso esquerdista, será o ministro da educação e do ensino superior do governo mais à direita que este país já teve depois do 25 de Abril.
È: bom esquerdista aos 20 anos; bom burguês-gestor do capital aos 40...

Manuel Monteiro

segunda-feira, 13 de junho de 2011

SÓ A UTOPIA SE REALIZA

"O IMPOSSÍVEL SÓ TARDA UM POUCO MAIS"

Mural dos acampados nas Puertas del Sol

Assino por baixo

Manuel Monteiro

segunda-feira, 6 de junho de 2011

O FOGO E O MENSAGEIRO

Eu
Grandiosa e miserável
Catedral
De água e barro –
Combatente contra os deuses
E a eles submisso

Eu
Depositário da arca
E do fogo
Irmão dos miseráveis
Todos

Confesso que da noite
Tudo sei
Porque meus gritos uivantes
Foram ouvidos
E repetidos
Pelas bocas silenciadas
Da história
E quem me aprisionou
Prendeu o universo
Todo
E mostrou a sua feição
Perversa
À nua afeição
Pela tirania

Eu procuro a claridade
A luminosa manhã
Onde o rubro se transforma
Em movimento
Ceara
Argila
Pão do templo

E tu ofereceste-me
O fogo
Declarando que Prometeu
Estava cativo
E que era aos homens que
Competia iluminar o mundo

Mas são só cinzas
Gritei irado ao mensageiro
Sorriu-me de longe
O estranho ser
E disse:
O sopro
As cinzas
O fogo
Os homens
É tudo um só –
Só que é um mistério

E tens que decifra-lo…

Manuel Monteiro

sexta-feira, 29 de abril de 2011

SEI ONDE MORA O HERBERTO - ROMANCE

Aos meus amigos
Vai sair, ainda durante esta Feira do Livro de Lisboa, o meu romance "SEI ONDE MORA O HERBERTO", editado pela Alêtheia Editores.
Breve informarei o dia e o local do lançamento

Manuel Monteiro

quinta-feira, 14 de abril de 2011

E SE FIZESSEMOS O QUE TEMOS QUE FAZER?

A humilhação que a Europa rica faz sofrer a este velho país não tem limites.
Os finlandeses não querem que a União Europeia conceda um empréstimo ao nosso país.
Um conjunto de personalidades alemâs colocaram uma providência cautelar no Tribunal Constitucional alemão para que nenhum empréstimo nos seja concedido.
Igual movimento se gera na Holanda e na Bélgica.
O ministro das finanças alemão defendeu que ajuda a Portugal só com regras rígidas
Outras vozes por esse mundo fora se levantam defendendo que Portugal deve sair do euro e declarar falência.
Entretanto os especuladores agiotas, os tais mercados, continuam a emprestar, mas a um juro que nos vai arruinar
São estas as propostas "solidárias" que esta europa rica nos atira à cara.
E se este país de oitocentos anos retomasse a sua dignidade?
E se este povo corresse com estes políticos cobardes que se colocam de cócoras e não reagem às humilhações?
E se o povo tomasse a decisão de sair do euro e colocasse em circulação o velho escudo?
E se colectivamente impusessemos uma moratória da dívida, só a pagando quando o desenvolvimento económico do país assim o permiti-se?
É certo que teríamos que passar por muitas dificuldades, por fome até, mas antes isso que esta humilhação sem limites.
Um dia, Unamuno, escreveu que dois rapazes se reuniram e que um disse para o outro: e se fizessemos uma enormidade?
É isso que temos que fazer: fazer uma enormidade, que não é mais do que retomarmos à nossa dignidade colectiva perdida.

Manuel Monteiro

sexta-feira, 25 de março de 2011

AO FIM DA TARDE, A TRISTEZA

parte ligeiro e leve como um cisne deslizante -
poucos te chorarão

se sentires o perfume das rosas: aproveita
é porque é primavera e foste sábio em partir

todo o tempo é teu e a morte a promessa mais radiosa


Manuel Monteiro

quinta-feira, 24 de março de 2011

COMO SE NÃO TIVESSES PARTIDO

despe-se e caminha para ofertar o corpo
à água
já o ofertou aos homens
e pagou um preço
imerecido

a mim que não era homem
mas lobo
pintou-me de azul e ofertou-me a luz -
dos uivos fiz carícias que desenhei
nos seios ávidos

riu-se da moral
deu-se a velhos e aos novos
secaram-lhe as lágrimas
mas não a nascente da mágoa

quando saltou o abismo era doce
uma rosa a acompanhou de longe
suspirei um sorriso
e li a carta que me deixou -

o vento tocou-me o rosto
e o abismo é profundo
amor te digo que da morte
a vida surge
nós é que não estamos preparados

Manuel Monteiro

quarta-feira, 16 de março de 2011

JOVEM À RASCA - BEM-VINDO À PROLETARIZAÇÃO

Prometeram-te:
Pertenceres a uma forte classe média
Um canudo de doutor privelegiado
Um alto salário e bastas regalias sociais
Carro topo de gama e casa com jardim e piscina
Férias em paraisos tropicais
Emprego a tempo certo em multinacionais com regras civilizadas no ambiente de trabalho

Em troca exigiam-te:
Olhar para o pessoal da ferrugem (o velho e atrasado proletariado) como algo absoleto e digno de compaixão
Afirmares que as velhas teorias do movimento operário era uma peça de museu
Que isso de vir para a rua contestar o sistema e as suas leis injustas era para falhados e marginais
Reconhecer que o capitalismo era o reino do bem-estar para todos com base na criação de riqueza e numa justa distribuição entre capitalistas e trabalhadores ( o velho sonho social-democrata)
Que a nova revolução tecnológica vinha libertar os produtores de longos horários e encurtar o tempo de reforma
Que a diminuição de horário e o encurtar da reforma vinha criar emprego para toda a gente

O que te deram:
Canudos à barda e doutores a torto e a direito
Desemprego
Trabalho precário
Recibos verdes sem o mínimo de direito
Estágios à borla para o estado e os privados se encherem à tua custa
Longos horários de trabalho e alongamento da reforma
Fim do estado social
Reformas de miséria
Diminuição dos subsídios sociais
Leis de trabalho em que o patronato faz o que quer

Então o que tens (temos) que fazer? ( para além de os mandar foder)

Abrir a pestana e voltar à velha escola da luta "de classe contra classe" (até à vitória final- GAC)
Ocupar as avenidas com o grito da nossa revolta (os palácios são deles- a rua é nossa)
Exigir um sistema politico novo já que o capitalismo só nos trás miséria
Olhar com esperança para o futuro porque o mundo do trabalho está de novo em marcha (Grécia, países árabes, Islândia, América Latina)
Aproveitar o que aprendeste na universidade e juntá-lo à sabedoria de vida do velho proletariado (experiência e teoria- NINGUÉM NOS PÁRA)

Então meu jovem amigo à rasca:

BEM-VINDO À ANTIGA CASA DO PROLETARIADO (que sempre foi tua)

Manuel Monteiro

quarta-feira, 9 de março de 2011

CONTRA A GUERRA ou a invenção da revolução

ias pela avenida iam milhares e de
novo as velhas bandeiras dizias ao teu
filho ninguém ama a guerra

um velho sem dentes tinha na testa
um letreiro o pentágono é uma
arma de destruição maciça

era uma festa de bombos e juventude a
nossa marcha contra a guerra na janela
alguém desenhou um cherne e uma frase:
estamos fartos de ditadores eleitos

sabes parecia um maio distante ou
um abril renovado com as mesmas cores a mesma
emoção a mesma inocência
dez velhotes empunhavam uma faixa a
classe operária vencerá - vejam o que resta da
antiga revolução...
em silêncio murmurei aos teus olhos semeados de flores
as quentes flores do novo maio que há-de vir -
contra esta guerra contra este tempo de todos os
medos: sim e porque não inventarmos de novo
uma revolução?

MM

(Poema do meu livro TODAS AS MARGENS-2003- Hugin)

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

O PROLETARIADO POR ELE PRÓPRIO

Nos Estados Unidos, um grupo de intelectuais brancos,fundou uma associação que estudava a situação dos negros naquele país, numa perspectiva progressista. Muitos desses intelectuais foram perseguidos pelo mecartismo que os rotulou de comunistas.
Numa sessão desta associação, realizada no Canadá, um grupo de activistas negros entrou de rompante na sessão e colocaram uma série de questões:
-Porque motivo a associação, já que trata assuntos dos negros, não é constituída maioritariamente por negros?
-Porque não são pedidos mais trabalhos teóricos aos intelectuais negros para a associação divulgar?
-Etc
Estes acontecimentos fazem-me lembrar a posição dos intelectuais pequeno-burgueses sobre o proletariado, as suas lutas,sua organização, sua história e seus objectivos.
Para estes intelectuais o proletariado é uma espécie de marioneta, sem ideias próprias, sem uma vanguarda pensante.
Depois vão revisionando os conceitos marxistas de proletariado, a pretexto dos novos tempos e das derrotas que o proletariado sofreu a nível mundial, sobretudo o fracasso da grande revolução bolchevique de 1917. Dizem:
-O proletariado está a perder a sua importância numérica a nível mundial
-O conceito de proletariado mudou com a revolução tecnológica
-Aquilo que se chamou de vanguarda da classe operária não passou de uma cambada de burocratas que levaram a revolução ao fracasso
-A organização do proletariado em partido, ou partidos,é uma forma de impedir que os trabalhadores sejam soberanos nas decisões políticas e na dinâmica da luta
-Substituição do conceito de "luta operária","luta do proletariado" por "movimentos sociais"
-Um novo conceito-que ninguém sabe o que seja: não-violência revolucinária
-E por aí fora
Nenhum destes novos sábios e intelectuais de grande gabarito se lembrou ainda de fazer aquilo que o Lenine preconizava: fazer inquérito,ouvir os operários sobre o que pensam disto tudo. Contribuírem para criar condições - através da criação de círculos ou clubes de discussão onde os operários possam expressar as suas opiniões. Isto sem qualquer paternalismo ou subserviência de parte a parte. Agora, só os intelectuais a teorizar e os operários sem terem possibilidades de se expressar, vai sair merda de certeza. É o que está a acontecer.

Manuel Monteiro

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

OS FILHOS COMO PROPRIEDADE PRIVADA

"A ministra está indignada por utilizarmos os nossos filhos na manifestação? Pois saiba a senhora ministra que os filhos não são do estado, são nossos e nós fazemos deles o que bem quisermos"
Pai-manifestante contra os cortes do estado ao ensino privado.

Manuel Monteiro

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

ALTA FILOSOFIA

"Queremos correr com estes corruptos do poder. Não precisamos de representantes; esta é uma revolução popular".
Manifestante tunisino.

Manuel Monteiro

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

PERANTE A VERDADEIRA TRISTEZA

Recebi hoje uma resposta negativa de uma editora à proposta que lhes fiz de edição de um romance meu.
Fiquei triste e até revoltado. É natural.
Depois, olhei à minha volta, e o que vi?
Crianças africanas a morrer à fome
Operários de cinquenta e sessenta anos a serem despedidos sem hipóteses de retornarem ao mundo do trabalho
Jovens a entregarem a casa ao banco porque não conseguem pagar as brutais mensalidades
Velhos a jantarem um copo de leite e uma bolachita para enganarem o estômago
Os meus filhos a partirem para o estrangeiro porque ficar em Portugal é estarem condenados a um futuro negro
Pessoas nas farmácias a levantarem metade dos medicamentos porque o dinheiro não dá para mais
Gente que ainda há pouco tempo tinha uma vida desafogada caminharem sorrateiramente para as organizações de caridade, tentando fugir da miséria
Perante esta imensa tristeza e indignidade QUE SE FODA O LIVRO E A MINHA PEQUENA TRISTEZA.
(E já agora: que se foda também a calculista editora)

Manuel Monteiro