quarta-feira, 24 de novembro de 2010

POEMA SOBRE UMA RESOLUSÃO DO COMITÉ CENTRAL

mandaram-me escrever uma resolução do comité central
estava frio recolhi-me a um café
escrevi escrevi rasguei e tornei a escrever
não assim a revolução não vai lá
um casal de melros namorava na árvore do jardim
um barco atravessava o Tejo e os operários chegavam à porta da Lisnave
(era sobre eles que eu estava a escrever – de tão longe…)
fumei mais um cigarro mandei vir novo café
reescrevi a resolução do comité central apesar
do riso claro e das pernas longas da rapariga da mesa em frente
o meu soldo de membro do comité central era baixo mas mandei vir mais um brande
e recomecei a fazer emendas e mais emendas nada me saia bem talvez
porque estavam tão longe de mim os operários da Lisnave
chegou a hora de jantar e o empregado procurou empurrar-me da
mesa colocando uma toalha avermelhada à minha frente
mandei vir uma sopa para não perder o lugar e recomecei a escrever
a resolução do comité central
pedi um jarro de vinho e uma sandes
esperando que o camarada das finanças do comité central
não considere estes meus gastos um desvio pequeno-burguês

o vinho deu-me asas e desviou-me da rota
pus de lado a resolução do comité central e escrevi-te um poema
para que o desvio não fosse avassalador imaginei a revolução no teu corpo
e uma bandeira rubra nos teus lábios de cereja
acabei o breve poema e recomecei a escrever a resolução do comité central
os camaradas acharam que a resolução sofria de um desvio idealista
e foi esmagadormente derrotada na votação final
(creio que foi aí que perdi a corrida para o lugar de secretário geral)
passei à máquina o poema que te tinha escrito
e dei-to na primeira vez que te encontrei
foste mais efusiva que os camaradas do comité central
e nessa noite cantei sobre o teu corpo as heróicas canções dos partizans
o sabor amargo da derrota no comité central
colocou a nu o meu pendor idealista
nefasto à visão materialista do mundo
próprio de um secretário geral que se preze
talvez para apagar a mágoa de ser derrotado na corrida a secretário-geral
passei a escrever poemas líricos
levemente pequeno-burgueses
poemas que transcrevo no teclado de uma máquina antiga
e vou distribuindo pelas ruas às raparigas de olhar suave
agora que não sei onde andas
e os membros do comité central já esqueceram o meu nome

Barcarena, 20/11/2010

Manuel Monteiro

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

LUCIFER- O ANJO DA LUZ

Em pequeno tive um problema com uma catequista porque mostrei simpatias com Lúcifer, esse anjo da luz caído em desgraça. A beata contou ao padre e este chamou a minha avó:
-Este rapaz é muito estranho ou então tem um parafuso a menos.Então não é que disse à catequista que um anjo da luz será sempre um ser luminoso?
A minha avó perguntou-me porque motivo me metia eu em encrencas com afirmações estapafúrdias? Eu respondi-lhe que tinha muita pena daquele anjo caído em desgraça e que me irritava ver todos atribuir-lhe as inúmeras desgraças que ao ser humano aconteciam.
Ao longo do tempo nunca esta minha compaixão pelo rebelde Anjo da Luz esmoreceu.E isto por uma simples razão: não há uma única prova credível de que tenha sido ele o causador de nenhuma tragédia humana. É acusado porque se revoltou contra um Deus totalitário e prepotente. Se é grande a minha admiração por todos os rebeldes humanos, imaginem o que sinto em relação aos rebeldes divinos...
Ao contrário,as religiões do Deus que Lúcifer combateu-a cristã, a muçulmana,a judaica- são responsáveis por toda e espécie de desgraças que se abateu, e abate, sobre a humanidade.
Disse isto à minha avó quando eu era já um homem e ela uma velhinha prestes a partir para o reino em que acreditava.
-Quando me encontrar com Deus, e já não falta muito, vou pedir-lhe que não leve em conta essas tuas heresias...-respondeu-me. Mas pareceu-me ver nos seus olhos um sinal de concordância com as minhas imprecações.

Manuel Monteiro

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

SOEIRO PEREIRA GOMES OU PAULO COELHO

Nas minhas andanças de alfarrabista de feira tenho presenciado episódios interessantes. Em alguns deles tenho tido participação activa.
Um dia destes, na Feira de Belém, uma senhora aproxima-se da minha banca e começa a folhear alguns livros. Abre os ESTEIROS, do Soeiro Pereira Gomes.Aproximo-me e digo-lhe:
-Belíssimo romance esse, minha senhora. É a história dos filhos dos homens que nunca foram meninos.O livro está quase novo e faço-lhe um preço especial: 4,00 euros
-Deve ser bonito, deve...
E continuou a folhear os livros. Depois agarra num e diz-me:
-Vou levar este do Paulo Coelho, VERÓNICA DECIDE MORRER...Um dia passo por aqui e levo esse dos meninos.
Pagou os 7,00 euros pelo Paulo Coelho e eu fiquei a ferver por dentro, com uma vontade imensa de queimar todos os paulos coelhos da banca e a tentação de atirar para longe os malditos sete euros.
Acalmei. Afinal o Paulo Coelho não é assim tão nefasto e daqui a uns anos ninguém se lembrará dele. Enquanto que os esteiros será um livro eterno, a obra prima do neo-realismo português, e ainda a descobrir por muita gente.
E depois o raio dos sete euros fazem falta para a bucha...

Manuel Monteiro

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

CARAVAGGIO: O ROSTO SUBLIME DOS MARGINAIS

Foi um dos maiores génios da pintura religiosa, este milanês que assassinou um homem, viveu com criminosos e prostitutas, apanhou sífilis e acabou por morrer na miséria.
Se olharem para as suas obras fiquem sabendo que os modelos que serviam de inspiração para os anjos, santos e deuses que retratava, eram prostitutas, bêbados e vagabundos.
Para um dos seus mais célebres quadros, A Morte da Virgem, o modelo inspirador foi uma prostituta, encontrada morta no rio Tibre. Foi tal o escândalo que as freiras carmelitas, que tinham encomendado a tela para a nova igreja de Nossa Senhora, recusaram o quadro.
Agora já sabem: nos rostos dos marginais está escrita a beleza mais pura. É pena que só os grandes génios a vejam

Manuel Monteiro

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

SER RECORDADO COMO UM VELHO COMUNISTA

Perguntou-me um amigo:
-Como queres ser recordado, depois de partires, ao fim de uma longa vida?
-Quero ser recordado como um velho comunista. Um comunista antigo, fraterno, combativo, sonhador, amante das belas mulheres e de vinho tinto. Um comunista pronto ao combate e à festa. Inimigo de todos os tiranos, companheiro dos boémios e das putas, comovido cantor dos poetas. Um velho comunista que imagina uma bandeira rubra nas doces mãos do Gabriel, o meu luminoso neto.

Manuel Monteiro

sábado, 30 de outubro de 2010

A MERDA E UMAS REFLEXÕES FILOSÓFICAS

Li esta notícia no FB e não resisto a reproduzi-la.
Rui Zink, numa visita a uma escola, contou esta pequena parábola aos alunos: um passarinho estava num campo, cheio de frio. Uma vaca, com pena do pequeno, cagou por cima do pássaro uma grande bosta. Este, sentindo-se quentinho, começou a cantar dentro da bosta. Um lobo veio e, tirando o pequenote da merda, comeu-o.
Moral da história:
1º-A merda não canta;
2º-Quem nos mete na merda nem sempre nos quer mal;
3º-Quem nos tira da merda nem sempre nos quer bem.

Manuel Monteiro

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

CRÍTICA POÉTICA

que te não abram e façam em ti
toda a experiência da ética e da estética

que te não magoem
e retirem o sentido do horizonte

que te deixem respirar
e beijar as nuvens

que te não levem à universidade
onde os provadores de títulos te marcarão o sangue

que te não mergulhem nos fumos dos congressos
e te não arranquem a alma

ganha os teus braços no perfume dos campos
lá onde a infância ainda se mostra

quero-te puro e indecifrável
arauto dos reinos da glória dos simples

quero-te
como àquela rosa tímida
que se dá e fica intacta

quero-te no silêncio dos corações inviolados
como arma como capa como vinho

assim vestido de linho
terno e tonto

vivo


Manuel Monteiro


Do meu livro de poemas TODAS AS MARGENS

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

O QUE EU ANDEI PARA AQUI CHEGAR-www.amazon.com

AMIGOS
Saiu um romance da minha autoria em formato digital (eBook)
Está em distribuição mundial através da www.amazon.com.
Para solicitar o romance tem que se indicar o título: O QUE EU ANDEI PARA AQUI CHEGAR
Preço: 9,20
Nome do autor: Manuel Augusto Monteiro
Género: Romance
Onde pode ser lido: Computador, telemóvel,Kindle, Ipad, etc.

RESUMO

.O romance é a história invulgar de um homem comum.
.A narrativa não é linear. São entrelaçados os acontecimentos que se centram em três períodos fundamentais da vida do personagem: a sua infância em trás-os-Montes, a participação na guerra colonial e a sua acção na revolução do 25 de Abril.
.Considera que a sua infância vai até aos trinta anos e que abarcou estes três acontecimentos onde foi um protagonista activo.
.Ao chegar aos trinta anos sente-se vazio e sem rumo. Tudo foram derrotas: a avó, que o criara na aldeia, morreu; a guerra colonial,que de inicio defendera,tinha sido um desastre; a revolução,a que aderira com entusiasmo, tinha sido derrotada.
.Então decide fechar a memória a esse período marcante da sua vida e transforma-se num homem cínico e implacável.
.Mete-se nos negócios da noite, abre casas de alterne, explora e maltrata as mulheres, sobretudo brasileiras e do leste.
.Faz isto para tentar esquecer as três mulheres que o marcaram e que ele tanto amou.
.A sábia avó que foi a mulher que o criou de uma forma diferente do que era norma na aldeia.
.O seu grande amor, a Maria, que teve um filho dele, quando já estava casada com outro rapaz, o filho do regedor. Este veio a morrer na guerra colonial. Maria diz-lhe, depois da morte do marido, que o filho é dele. O personagem promete que se casa com ela e que vão os dois criar o filho, mas, de madrugada, foge e deixa a rapariga e o menino para trás, para sempre.
.A Mulher Burguesa, a mulher que abandonou a sua posição social e o marido, um diplomata, e aderiu à revolução, vindo a morrer de cancro, já era ele um implacável homem da noite.
.Aos setenta anos, e depois de quarenta em que abafou os mais nobres sentimentos da sua vida até aos trinta anos,sente que o fim se aproxima e então decide-se recordar de tudo o que viveu nesse período exaltante da sua vida.
.Ao terminar o livro o personagem diz:"Meu cansado pensamento centra-se agora nessas três mulheres que amei e me amaram: a avó,a Maria e a mulher burguesa.É para elas o meu último pensamento.A noite da minha vida aproxima-se.Sinto frio e uma névoa a envolverem-me.Três vultos familiares me acenam de longe. Já aí vou,avó.Já sinto o teu calor, Maria.Nesse lugar há lugar para a loucura dos corpos, mulher burguesa?
Já não "contenho multidões" dentro de mim, como afirmava o poeta. Estas três mulheres me chegam.Afinal,nenhum momento da minha vida-mesmos os mais conturbados-foi em vão. Porque elas me habitaram".

Agradeço a vossa leitura e espero as críticas.
Um abraço a todos

Manuel Monteiro

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

EM NOME DO SOCIALISMO, NÃO!

Lembro-me dos anos 80 em que o FMI, pela mão de Mário Soares, entrou no nosso país e impôs medidas draconianas, que muito fizeram sofrer a população, sobretudo os mais pobres. Esse mesmo Mário Soares afirmou, em tom de gozo, que tinha colocado o socialismo na gaveta. Durante largos anos, o povo sofreu esse socialismo de miséria, enquanto os ricos ficavam cada vez mais ricos. Grandes fortunas se fizeram nesses tempos de penúria e sofrimento dos trabalhadores.
Agora repete-se a cena, e pela mão do mesmo partido socialista e dos herdeiros políticos do soarismo. Isto é: o capital financeiro provoca uma crise mundial e agora, através de especulação dos juros de agiotas, esmaga os pequenos países. A receita que está a ser aplicada agora em Portugal, foi aplicada há um ano na Irlanda, perante os aplausos de todos os abutres ao serviço do grande capital. Resultado: A Irlanda está cada vez mais na miséria. O défice, que em Portugal está nos 9%, vai ficar na Irlanda nos 32%, devido às medidas restritivas, aos cortes nos salários e nas regalias sociais dos trabalhadores e porque têm que APLICAR MILHÕES E MILHÕES DE EUROS EM 2 BANCOS E UMA SEGURADORA FALIDOS!
Perante esta situação os trabalhadores mantêm-se numa confrangedora expectativa, mantendo-se no esquema das manifestações pacificas, pequenas greves simbólicas, muito palavreado dos dirigentes sindicais e pouca acção radical. Mas a questão é que estes abutres têm que começar a ganhar medo e isso só acontecerá QUANDO OS TRABALHADORES COMEÇAREM A PARTIR ESTA MERDA TODA!
Fazem estas patifarias todas em nome da esquerda e do socialismo. Se fosse a direita a fazer isto tudo era mais claro. Então eu, que não voto há anos, nas próximas eleições VOU VOTAR NO PSD! Podem dizer-me que o PSD vai rever a constituição "progressista" e o "estado social". Mas quem ataca o chamado estado social são estes desgraçados "socialistas" que levam os mais pobres para a miséria e possibilitam o acumular de grandes fortunas.
O capitalismo está insaciável e triunfante. Não sente nenhum obstáculos à frente para fazer todas as tropelias. Sente a multidão amorfa e sem alternativa. Pensa que triunfou em toda a linha sobre o comunismo. É necessário que num ponto qualquer do mundo os trabalhadores em luta contestem este sistema, a propriedade privada e coloquem em prática o poder popular com base na economia socialista. Essa será a CHAMA QUE INCENDIARÁ TODA A PRADARIA!
E, quando menos se espera, essa chama surgirá!

Manuel Monteiro

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

VIVER DA DESGRAÇA DOS OUTROS

Uma senhora que anda por aí a espalhar charme, Fátima Lopes de seu nome, transferiu-se da SIC para a TVI. Tudo bem ou, como dizia o outro, é para o lado que durmo melhor, porque não ligo às vidas coloridas da pequena e média burguesia.
Mas a senhora, e os seus patrões da TVI, ultrapassaram todas as marcas na sua missão de alienar e amesquinhar o povo.
Aproveitando-se das grandes dificuldades das pessoas, lançaram um programa em que prometem pagar as dívidas que lhes aflige a vida.
O espectáculo é degradante. As pessoas que participam nesta humilhação prestam-se a um papel muito triste, mas não as podemos condenar, porque as dificuldades da vida e as limitações culturais levam muitas vezes as pessoas a perderem o sentido da dignidade.
De condenar é a senhora Fátima Lopes e os seus patrões que, para conseguirem subir as audiências, recorrem a este circo miserável e repulsivo.
Os poetas e os revolucionários bem gritam: POVO! NÃO BAIXES A CABEÇA! Mas os tempos são sombrios e o vento leva para longe a dignidade deste povo tão antigo.
Entretanto, esperando que o vento mude e que as ruas se encham de gritos de revolta e júbilo popular, cantemos essa beleza em multidão.

A LINHA DA BELEZA

A linha da beleza está
na calçada do chão na pedra circular

na linha da mão

No interior profundo do teu ser:
sentimentos lágrimas e quando
ao fim da tarde me afagas

A linha da beleza não é a geometria conseguida
mas a serena desordem que connosco cavalga

pela vida

Poema do meu livro IMPERFEITA SABEDORIA

Manuel Monteiro

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

LUTAR OU VIVER E MORRER COMO ESCRAVO

A opressão do povo palestino pelo regime nazi sionista é um dos maiores crimes contra a humanidade. Almas muitos sensíveis condenam as formas de luta radicais que o povo da Palestina move aos ocupantes israelitas. Citam nestas alturas Gandi, que teria afirmado que "olho por olho e o mundo ficará cego".
Isto do pacifismo tem muito que se lhe diga. É que o povo palestino não tem outro caminho do que responder com toda a violência à violência dos ocupantes sionistas.E quem luta por uma causa justa, mais tarde ou mais cedo, vence. Mas mesmo que não vençam, que a justa causa do povo árabe seja derrotado- e não seria, infelizmente, a primeira vez que isso aconteceria- mais vale que o povo seja derrotado lutando do que viver e morrer na opressão.
Sim, é terrível que pela política do "olho por olho, dente por dente"- que, não por acaso, é uma máxima do Antigo Testamento, livro que guia os sionistas- os oprimidos venham a ficar cegos e derrotados. Mas, VALE MAIS CEGO LUTANDO DO QUE ESCRAVO VENDO A SUA PRÓPRIA SERVIDÃO.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

OS PEQUENOS GESTOS QUE NOS SALVAM

Na minha banca de alfarrabista, na Feira da Ladra, tenho em exposição o meu livro de poesia IMPERFEITA SABEDORIA, com um pequeno letreiro, que diz: O AUTOR DESTE LIVRO É O PROPRIETÁRIO DA BANCA.E como na capa está a minha foto, abraçado ao meu neto Gabriel, as pessoas olham para a foto e depois para mim, para ver se se confirma o que está escrito no letreiro.
Duas velhotas aproximam-se e remiram o livro e remiram-me. Diz uma para a outra, baixinho, tentando que eu não perceba:
-Este escreve poesia, coitado...
A outra responde:
-Mas é bonito o verso que está na capa.
E lê para que a amiga oiça:

Avô
Porque faz o melro
o ninho
Ao alcance da minha mão?

Meu neto
É para despertar
A tua compaixão...

A outra pergunta:
-Vamos levar?...
E estende-me os cinco euros.
Eu recebo em festa a contribuição e penso que a poesia não é, sobretudo, o que se escreve, mas estes gestos que nos libertam.

Manuel Monteiro

terça-feira, 13 de julho de 2010

A SOLIDÃO REPARTIDA

Quando passo em Belém, lá está ele, no passeio, impecavelmente vestido, acenando às pessoas que, apressadas, passam nos seus veículos. Quando passa um autocarro quase que se desfaz em gestos e beijos, tal a sua ânsia de abarcar toda a gente que vão para longe. Mas já o vi no Cais do Sodré, no Marquês de Pombal,nos Restauradores, e em outros locais da cidade. Aparece ao fim da tardinha e por lá fica até tarde da noite.
Num dia destes, em Belém, lá estava ele, mas, desta vez, estava acompanhado por um jovem casal que se fotografavam com ele. Eu parei o meu carro junto a eles e saí, simulando que verificava os pneus do veículo. Os seus olhos brilhavam, expulsando a solidão que o habita.
Há anos que vejo o homem da solidão repartida pelas ruas de Lisboa, repartindo connosco a sua existência e o seu afecto. No dia em que não o encontrar acenando à nossa indiferença, também ficarei mais solitário porque quem a repartia comigo já cá não estará para me fazer sorrir de ternura; ainda que por breves momentos.

Manuel Monteiro

segunda-feira, 5 de julho de 2010

SOCIALISMO OU BOÉMIA?

Na TV vi agora um documentário sobre Cuba. Quando vejo algo sobre Cuba um sentimento contraditório me assalta: ali nasceu algo de novo, mas...Já morreu totalmente esse embrião de uma nova sociedade? Agarro-me eu a essa única esperança sem reparar que essa sociedade socialista, fraterna e igualitária não passa de um cadáver adiado? E vocês o que pensam?
Nesse documentário televisivo é entrevistado um desempregado que se dedica à boémia. O seu sonho é abrir uma oficina com empregados. Mas diz que só o podia fazer com familiares, porque se metesse não-familiares o estado não o permitia porque seria considerado uma empresa e isso de empresas privadas de cubanos o governo não está para aí virado.
O entrevistador perguntou-lhe:
-Mas se abri-se essa oficina não podia andar na boémia porque teria que abrir todos os dias a porta e orientar os operários.
Resposta do boémio:
-Bom, chefe é chefe. Quando fosse para a boémia dava as chaves a um operário e eu ficava a descansar.
Este boémio desempregado não é parvo. Tem em todos os poros daquele corpo os genes do capitalismo parasita; os patrões no folguedo e os operário a vergar a mola.

Manuel Monteiro

domingo, 27 de junho de 2010

TUDO RECOMEÇA AQUI (na morte do tio José)

Se fores ao bosque
leva o teu neto pela mão
porque só ele pode receber da natureza
os inebriantes fluídos da vida

a não ser que despertes
a criança que há em ti
e que te lembres
do tempo deslumbrante
das primeiras flores
onde todos te amavam
e onde eras eterno

porque todos ali estavam
e a morte era um fantasma
a descobrir

Manuel Monteiro

sexta-feira, 11 de junho de 2010

CONTRA A GUERRA COLONIAL, SEMPRE!

Para já uma declaração: eu fui um dos combatentes que estive na guerra colonial, em Angola, de 1970 a 72. Estive, infelizmente, porque tinha a consciência que estava a praticar um acto de agressão contra o povo angolano. Mas segui a directiva do PC de lutar, por dentro, contra a guerra. A minha companhia, a CCaçadores 1101, sofreu 12 baixas, eu era infermeiro e tive que suportar com o tratamento dos cadávers desses queridos camaradas.
Arrependi-me amargamente de ter participado nesse acto de agressão.
Nunca o povo português, desde os trabalhadores mais simples aos intelectuais de todas as tendências, me insultou por ter participado nessa guerra. O que as pessoas condenavam era a guerra colonial.
Entretanto os meus camaradas que de lá vieram com graves problemas psicológicos foram abandonados por todos os poderes. Eu próprio tive problemas que superei devido à compreensão ideológica destas contingências históricas e com a ajuda de um psicólogo amigo.
O Paulo Portas, num acto demagógico, atribui uma pensão de 150 euros aos ex-ombatentes. 150 por dia? Por mês? Não. 150 euros POR ANO! O,41 CÊNTIMOS POR DIA! Nem para um café dá…
Vêm agora dois tipos fazer um discurso demagócio, chamando à guerra colonial, guerra do ultramar(no bom estilo fascista e patrioteiro). Um deles parecia que estava a fazer um acto de contrição, António Barreto, por ter sido desertor. Na opinião de Barroso, na SICNoticias, parecia que Barreto queria naqueles 20 minutos de discurso cumprir o serviço militar que não fez porque foi desertor na Suiça…
Mais uma vez pergunto: porquê levantar agora a questão colonial numa terminologia fascista de guerra no ultramar? Porquê assemelhar agora o dia de Camões com o dia da raça, onde o Tomás condenava o terrorismo e condecorava as viúvas das vítimas dos actos do governo fascista de então? Porquê esta retórica demagógica e patrioteira quando abandonam os ex-combatentes e suas familias aos seus dramas do stress pós-guerra?
O que se pretende não é homenegear os combatentes mas é branquer uma página negra na nossa história, sob a responsabilidade de um governo fascista e colonialista! O que se pretende é absolver os generais fascistas que fizeram a guerra e com ela lucraram! Alguns destes oficiais fizeram depois o 25 de Abril? Muito bem, todos podem evoluir e levantarem-se da lama em que cairam e caminhar para actos heroicos. Mas isso não pode branquear os seus graves erros, participando na subjugação dos povos africanos…
Acho o post do Daniel Oliveira,publicado no Arrastão - na senda da demagogia de António Barreto - uma posição miserável, nacionalista, que, objectivamente, participa na tentativa de branqueamento de uma das páginas mais negras da nossa história.
Faço esta denúncia violenta pouco me importando com as vozes farisaicas que se vão levantar contra mim. Devo esta denùncia aos meus filhos e netos. Devo-a à juventude que está a ser envenenada pelo reescrever da história. Devo-a aos povos africanos, com um pedido de desculpas por, apesar de estar do lado deles, ter participado na sua opressão.
Manuel Monteiro

terça-feira, 1 de junho de 2010

FÉRIAS DE POBRE

o pé acetinado a anca fina
a boca perdida por beijos-
mulher assim nem miss de arredondados seios

claro era o mar
ondas só no teu corpo de sereia
mergulhava as mãos na tépida água
e com elas empurrava a jangada
em direcção à ilha paraíso

mas havia algo estranho:
em vez do som do hula hula
era um fado chunga que me embalava

quando acordei
uma gorda mulher passava a ferro
os putos na rua esmurravam-se furiosos
e o cão ladrava que nem um desalmada

e eu tinha a mão mergulhada no penico
estacionado junto à cama

Manuel Monteiro

Do meu livro de poemas IMPERFEITA SABEDORIA

sexta-feira, 28 de maio de 2010

MANIFESTO A FAVOR DO TOURO

quando a vida não dá troco à felicidade
ouve-se Carlos Gardel dizer com certa
ingenuidade:

sou vítima de cavalos lentos
e mulheres velozes

será ingenuidade do cantor ou um certo desdém?
mais razão tem o mendigo para dizer
dá deus nozes a quem dentes não tem

não
não é um tango uma tanga
e muito menos uma zanga
é um queixume de quem ao vício
se deu sem azedume

eu que perdi o paraiso quando era proletário
(grita a burguesa: ai que horror temos aqui
um incendiário!)
peço aos poetas que não louvem os toureiros
nem outros ofícios de tortura:

cravar no sangue um ferro
é um acto de cultura?

Manuel Monteiro


Do meu livro de poemas IMPERFEITA SABEDORIA

quarta-feira, 26 de maio de 2010

PROCLAMAÇÃO AOS GUERRILHEIROS

ah como era doce ser ladrão dos teus tesouros:
penetrar na gruta negra e sedosa explorar as duas
ondeadas montanhas com os bicos
rosados entumecidos

ah como eu conhecia (sem mapas) todos os
secretos recantos onde treinei meu corpo de
guerrilheiro imberbe

agora fecharam-me neste curro
exigem-me nomes datas locais

não é o doce sabor dos teus lábios que
sinto nos meus: é o sangue que o carrasco
me arrancou na tortura

exigem-me uma confissão completa

possuído pelo teu amor
não cederei aos tiranos

Manuel Monteiro


Poema extraído do meu livro "IMPERFEITA SABEDORIA"
que enviarei a quem o solicitar via CTT (7,50)

segunda-feira, 24 de maio de 2010

SERÁ DEUS UM MAU BANQUEIRO?

A CajaSur é a 20ª maior instituição financeira de Espanha. E tem uma particularidade muito especial: é um banco ligado à igreja católica espanhola. Outra particularidade: deu o berro, entrou em falência, devido aos seus negócios especulativos, sobretudo no sector da construção civil.
O governo "socialista" espanhol, tal como aqui os irmãos "socialistas", em relação ao BPP e BPN, entrou em força na CajaSur, através do Banco de Espanha,injectando 550 milhões de euros.
São os trabalhadores espanhóis que vão pagar mais esta aventura financeira da igreja católica e dos seus acólitos capitalistas.
No fim desta aventura um alerta se deve lançar aos capitalistas especuladores financeiros: pela amostra da falência da CajaSur, nem Deus está virado para essas aventuras especulativas, pois que deixou a sua igreja de mãos a abanar. Já agora era bom que os trabalhadores dessem uma mãozinha a Deus e empurrassem de uma vez para sempre o capitalismo para o quinto dos infernos...

Manuel Monteiro

quinta-feira, 20 de maio de 2010

QUANDO O CHEFE MANDA NÓS OBEDECEMOS

O Belmiro de Azevedo disse que quando o povo passa fome tem o direito de roubar
Como o povo português sempre foi um povo que sempre obedeceu aos seus chefes, é chegado ao hora de seguir o que o Belmiro proclama: PESSOAL! VAMOS ASSALTAR O CONTINENTE!...

Manuel Monteiro

quinta-feira, 29 de abril de 2010

O CHOCOLATE NÃO É ASSIM TÃO DOCE

O médico tinha-me dito que o chocolate preto, aquele que contém mais cacau, era bom para a circulação do sangue, porque é um anti-oxidante.Seguindo as instruções médicas,e depois de uma intervenção que fiz ao coração, comecei a consumir um cubo de uma tablete de chocolate preto por dia.
Tudo corria na santa paz dos anjos, quando, numa noite destas, tudo se alterou. Uma reportagem na TV descobriu a verdade do chocolate. Então, vim a saber que a origem do cacau é a Costa do Marfim. Que os produtores deste fruto recorrem a trabalho escravo infantil,pagando cerca de 250 euros a raptadores de crianças do Mali e do Burquina Faso para que estes levem estas crianças das suas aldeia para as fazendas de cacau na Costa do Marfim.
O repórter confronta a Nestlé com estas acusações - já que esta multinacional compra directamente o cacau a estas fazendas onde se escravizam as crianças. A Nestlé nega a existência de trabalho escravo infantil. O repórter faz a investigação e vai à multinacional com o filme onde se prova esta situação degradante. A empresa, não conseguindo desmentir, recusa-se a falar com o repórter. Este exibe o documentário num ecrã gigante defronte à sede da multinacional da vergonha.
Agora, quando vou consumir o chocolate preto, a imagem que me assalta é daquelas crianças que nunca tiveram infância para que os poderosos continuem a dominar o mundo.
E deixei de consumir chocolate? Não, mudei de marca, mas tendo consciência que as outras empresas recorrem aos mesmos métodos esclavagistas para obterem chorudos lucros.
Moral da história: neste mundo, dominado pelo mercado do lucro para uma minoria, não há moral nenhuma.

Manuel Monteiro

terça-feira, 27 de abril de 2010

O CAPITALISMO ANTES DE MORRER VAI COMETER OS MAIORES CRIMES

O mundo capitalismo está em profunda crise. Dizem-nos que é a Grécia, a Islândia, a Irlanda,Portugal.Sim,estão em crise, mas quem está em profunda crise quem está em profunda crise é a Espanha, a França, os Estados Unidos...
Então porque só os pequenos países estão a ser vítimas dos especuladores financeiros?
Aplica-se aqui o ditado popular: quando o mar bate na rocha, quem se lixa é o mexilhão... Isto é: são os mais fracos que pagam sempre as falcatruas dos mais fortes.
É altura dos pobres de todos os países se unirem e verificarem que, com este sistema, o que os espera é um futuro de incerteza e, em última análise, de miséria. O que está em causa não é lutar por reformas, até porque o capitalismo não tem condições, nem está disposto, em faze-las. Trata-se de lutar por um novo sistema onde o povo seja soberano e a riqueza seja produzida em harmonia com a natureza e que seja distribuída de uma forma justa.
O tempo das reformas acabou. Está na hora de nos colocar-mos a caminho pela via da revolução...

Manuel Monteiro

quinta-feira, 4 de março de 2010

ESTE CAPITALISMO COMOVE-ME

Alguém disse que a democracia capitalista é o pior sistema, tirando todos os outros.
Ao olhar para o que se passa na Grécia, apetece-me dizer que este sistema não é melhor, nem pior; é uma merda.
Reparem no esplendor das medidas anti-crise, impostas pela UE, FMI e Banco Mundial ( e aplicadas por um governo que se diz socialista-lá como cá): congelamento de salários e pensões, desconto de 30% no 13º mês, 60% no 14º mês, despedimentos por todo o lado, subida na idade de reforma e outras barbaridades
Uma pergunta se pode colocar: com estas estas patifarias não seria mais eficaz à burguesia exterminar de uma vez os trabalhadores?
"Os ricos farão tudo pelos pobres,menos descer das suas costas". Não, esta frase não é cá do esquerdista de serviço. Foi pronunciada pelo grande escritor russo, Tolstói.
Eu concordo, e vocês?

Manuel Monteiro

terça-feira, 2 de março de 2010

A DANÇA DA MENINA

Hoje é dia de lirismo. Por isso transcrevo um poema do meu último livro: IMPERFEITA SABEDORIA.


A DANÇA DA MENINA


menina que danças
dança
leva meu corpo carente
na cadência
dessa dança

enche meus olhos
de espanto
em teu corpo descoberto
pela queda desse manto

se te tocasse
(ao de leve)
nessa alegria breve
a dança não tinha fim

dança menina
dança

sim?

Manuel Monteiro

segunda-feira, 1 de março de 2010

AS COISAS QUE SE DIZEM

Quase sempre, sobretudo os seres que se preocupam com esta coisa de existir, andam atarefados a teorizar acontecimentos e fenómenos da vida das pessoas. De repente, uma só frase, resume todo um mundo de complexidades.
Um crítico americano ou inglês, que diga-se de passagem, não aprecio, resumiu nesta frase tudo o que eu penso sobre a mulher que muitos consideram santa: Madre Teresa de Calcutá.
Disse o crítico: " A madre Teresa não gostava dos pobres; gostava da pobreza".
Arrasador.

Manuel Monteiro

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

A GRATIDÃO DAS PROSTITUTAS

Quando Victor Hugo morreu, em 1885, a França em peso prestou-lhe as maiores homenagens.
Numa das suas principais obras, OS MISERÁVEIS,o grande escritor descrevia a vida desgraçada das prostitutas, numa visão realista mas cheia de compaixão por tão sofridas vidas.
Pois no dia do seu funeral, todas as prostitutas de Paris vestiram de luto, em sinal de dor e gratidão pelo homem que tão bem retratou as suas vidas.

Manuel Monteiro

O QUE EU ANDEI PARA AQUI CHEGAR

"Podemos ser muito conservadores, mas quando participamos numa revolução somos como um rio quando extravasa as margens: não há barreiras ao desejo da liberdade das águas.
Assim somos nós. Não há freio que consiga domar a nossa fúria de transgredir a moral dominante. Transgredi-la é já estar a construir algo de novo, embora não saibamos bem o quê.
Pôr em causa a propriedade privada é, na revolução, o início de tudo. A propriedade privada dos meios de produção, da água, das estradas, do vento, do espaço, do corpo. Sobretudo do corpo. Porque, o corpo aprisionado a outro corpo pelas convenções, é o lugar exacto da moral burguesa.
A libertação dos corpos destes entraves é, na revolução, o indicador de que algo profundo vai acontecer.
O fim da revolução é a morte da expressão dos livres sentimentos. É a prisão e a tortura da aspiração à plenitude do ser.
Hoje teorizo isto sem grande emoção, mas com tristeza e saudade. Porque foi aquela mulher burguesa que me ensinou, sobre os infinitos gritos do seu prazer, que não há limites para a transgressão. E que há que correr todos os riscos, sem calculismos ou temor, porque o momento da transgressão é o local exacto onde se constrói aquilo que será eterno, ainda que só por breves momentos. É isso: a eternidade em breves momentos. E a mais não podemos aspirar.
Não há revolução nenhuma que consiga prolongar o que só tem existência no fugaz momento, porque isso seria desenterrar o que a história já queimou: o correr dos dias dentro dos limites do possível. O que procuramos é o mais puro realismo; o impossível momento que nos liberte de uma vida sem história E todas as revoluções acabam quando desperdiçam estes momentos e decretam a felicidade através da monotonia.
Muitos irão explicar-vos o falhanço das revoluções pelas conjunturas e pela correlação de forças. É gente rotineira, profissionais de explicar fracassos pelo que é a espuma da superfície dos acontecimentos. Esses são os imbecis a quem a poesia não abre as portas. Só tereis uma explicação lógica e plausível para os falhanços da humanidade pelos olhos dos inocentes
A revolução perde-se quando perde a sucessão dos breves momentos, nas alturas em que a propriedade privada é contestada pelo corpo em delírio.
Se sei o que sei sobre este assunto não é porque a minha filosofia seja profunda ou aprimorada, mas porque me foi revelado no corpo ardente daquela mulher burguesa"

Excertos do meu romance: O QUE EU ANDEI PARA AQUI CHEGAR

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

O ESPIRITO COLECTIVO DAS FORMIGAS

Recentemente, os cientistas descobriram que as formigas, quando se sentem doentes, afastam-se do grupo para morrer sozinhas.
Esses mesmos investigadores chegaram a uma conclusão, depois de experiências laboratorias,que estas formigas doentes se afastam para não contaminarem o grupo.
É sabido que o vírus da constipação tem uma estratégia de contaminação do maior número de pessoas: faz com que as pessoas que já o albergam tossam e espirrem para que ele seja transportado para outros indíviduos.
Sobre as formigas, os parasitas atacam-lhe os movimentos para as impedir de se afastarem do grupo. Só que o espírito colectivo da formiga é mais forte: o instinto leva-as a afastarem-se da família antes que o vírus as consiga paralisar. E assim morrem sozinhas para salvarem a comunidade.
Nos homens acontece o contrário. É a sociedade que afasta os fracos e os doentes, já que o ser humano tem outras defesas para lutar contra os parasitas, sem que seja necessário o sacrifício dos mais débeis.
A propósito disto. Quando eu era um menino camponês, em Trás-os-Montes, a minha avó contava-me uma história:
"Naquele tempo - as histórias da avó começam sempre com " naquele tempo"-, naquele tempo, os velhos em fim de vida eram levados para o monte, com uma manta, para aí acabarem os seus dias sozinhos. Um dia, um filho levou o pai às costas para o seu destino fatal. Quando chegou ao monte o filho desceu o pai das costas e entregou-lhe a manta. O velho virou-se para o filho e disse-lhe:
-Meu filho, leva a manta contigo.
-Porquê, meu pai?
-É que, quando chegares à minha idade e o teu filho aqui te trouxer, vais precisar dela. Porque deves lembrar-te:
Filho és
Pai serás
Conforme fizeres
Assim acharás
O filho colocou de novo o velho pai às costas e levou-o para que vivesse com a família os últimos anos da sua vida.
A partir dali, concluía a avó, nunca mais nenhum filho abandonou o pai e o deixou morrer sozinho.
A avó era uma mulher sábia. Mas era também muito ingénua.
Manuel Monteiro

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

JORNALISMO DE VÓMITOS

A SIC Notícias apresenta o seu jornal da manhã. Um jornalista comenta a ofensiva da NATO sobre a resistência afegã. "Apesar dos 12 civis mortos, a ofensiva tem corrido bem...)
Apesar dos 12 civis mortos? A ofensiva tem corrido bem? Mas este jornalismo comprometido com as forças opressoras perdeu, de vez, a vergonha e a decência!

Manuel Monteiro

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

LÓGICA IMPLACÁVEL

Em Borgo de San Sepolcro, Itália, encontra-se uma pintura magnifica da autoria de Piero della Francesca, a "RESSURREIÇÃO", que retrata, como o nome indica, a ressurreição de Cristo.
O escritor Aldous Huxley deslocou-se ao local e apaixonou-se pela obra, considerando-a a maior pintura do mundo.
A RTP2 apresentou um documentário sobre o quadro e o seu enquadramento histórico. Na mesma reportagem aparece uma professora e uma turma de alunos,na escola, a falarem sobre a obra. A professora repete a afirmação do escritor Huxley, de que o quadro "Ressurreição" era a obra mais magnifica do mundo. Um aluno virou-se para a professora e perguntou:
-Mas esse senhor já viu todas as pinturas do mundo?

Manuel Monteiro

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

É ESTE UM DEUS QUE SE APRESENTE?

A tragédia no Haiti é tão arrasadora que me deixa sem palavras.
A minha fúria dirige-se à natureza que assim ataca os pobres; a este sistema desumano que rege as sociedades capitalistas; e a Deus, essa entidade em que não acredito.
Então se não acredito nele porque o invoco?
Por uma razão simples: andam muitos a invocá-lo em vão. Mas o que me chocou foi o agradecimento do Papa ao seu patrão só porque este poupou a vida do Núncio Apostólico no Haiti.
Então um Deus que permite a destruição de um país, a morte de 100 mil pessoas, a fome e a miséria de um povo inteiro, merece agradecimentos só porque salvou um seu quadro superior?
Que Deus é este?

Manuel Monteiro

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

OS ORGASMOS DA CLARA PINTO CORREIA

A Clara Pinto Correia fez agora uma exposição de 10 fotografias, no Centro Cultural de Cascais, onde simula que está a ter orgasmos. Ela garante que se está a vir de verdade, mas é bom não esquecer que esta menina, para além de ser meio marada, é também uma fiteira de primeira apanha. Ainda se devem lembrar daquela fita do plágio de um artigo científico de uma revista americana que ela publicou em Portugal, dizendo que tal artigo era de sua autoria.
Esta história dos orgasmos da Clara faz-me lembrar uma miúda que tive quando eu era chavalo.Essa miúda era dada ao esoterismo e acreditava que, quando desse o badagaio, iria reencarnar. Uma tarde, numa pensão rasca do Intendente, fizemos sexo até cairmos para o lado. No último orgasmo da sessão,ela exclamou:
-Ai, que queria morrer neste momento!...
Eu gritei-lhe, entre o furioso e o aflito:
-Oh desgraçada... Morrer no melhor da festa?
-É que se morresse agora, com a barriguinha cheia de sexo, quando reencarnasse seria na forma de uma vaquinha feliz!
É claro que, perante tanta ingénua insensatez, perdi toda a virilidade e fiquei com um pó de morte às teorias esotéricas que, ainda hoje, quando vejo um livro do Paulo Coelho me dá vontade de acender uma fogueira...
Voltando aos orgasmos da Clarinha. Deixo aqui uma sugestão ao Centro Cultural de Cascais. Dado que o Marcelo vai ficar desempregado da RTP, que tal uma iniciativa no género: 10 FOTOGRAFIAS COM AS PUNHETAS DO MARCELO REBELO DE SOUSA?

Manuel Monteiro

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

A ETERNIDADE DOS MELROS

Tenho uma rara atracção por melros. Acho-os uns seres perfeitos e confiáveis.
Quando eu era pequeno ficava extasiado a contemplar a rara beleza da sua cabeça: o bico amarelo e geométrico,os olhos amedrontados pela prisão da mão, a suave penugem que anunciava a sua capa escura e protectora.
Devo confessar um remorso que me acompanha, ainda hoje: não hesitava em os depenar e comer em bárbaras fritadas. A minha intenção inicial não era perversa; eu pretendia criar em cativeiro os melritos que apanhava nos ninhos. Mas todos eles morriam de dor pela falta de liberdade.
Por esse motivo, e por que eu sabia distinguir os diversos melros adultos, eu apercebia-me da sua existência breve.
Sucede que agora, aos melros que vagueiam no descampado defronte à minha janela,não os consigo distinguir.Há um que me parece um velho melro que habitou a minha infância em Trás-os-Montes.
Acho que está na hora da eternidade dos melros. E, sendo assim, a minha está a chegar ao fim...

Manuel Monteiro