"Podemos ser muito conservadores, mas quando participamos numa revolução somos como um rio quando extravasa as margens: não há barreiras ao desejo da liberdade das águas.
Assim somos nós. Não há freio que consiga domar a nossa fúria de transgredir a moral dominante. Transgredi-la é já estar a construir algo de novo, embora não saibamos bem o quê.
Pôr em causa a propriedade privada é, na revolução, o início de tudo. A propriedade privada dos meios de produção, da água, das estradas, do vento, do espaço, do corpo. Sobretudo do corpo. Porque, o corpo aprisionado a outro corpo pelas convenções, é o lugar exacto da moral burguesa.
A libertação dos corpos destes entraves é, na revolução, o indicador de que algo profundo vai acontecer.
O fim da revolução é a morte da expressão dos livres sentimentos. É a prisão e a tortura da aspiração à plenitude do ser.
Hoje teorizo isto sem grande emoção, mas com tristeza e saudade. Porque foi aquela mulher burguesa que me ensinou, sobre os infinitos gritos do seu prazer, que não há limites para a transgressão. E que há que correr todos os riscos, sem calculismos ou temor, porque o momento da transgressão é o local exacto onde se constrói aquilo que será eterno, ainda que só por breves momentos. É isso: a eternidade em breves momentos. E a mais não podemos aspirar.
Não há revolução nenhuma que consiga prolongar o que só tem existência no fugaz momento, porque isso seria desenterrar o que a história já queimou: o correr dos dias dentro dos limites do possível. O que procuramos é o mais puro realismo; o impossível momento que nos liberte de uma vida sem história E todas as revoluções acabam quando desperdiçam estes momentos e decretam a felicidade através da monotonia.
Muitos irão explicar-vos o falhanço das revoluções pelas conjunturas e pela correlação de forças. É gente rotineira, profissionais de explicar fracassos pelo que é a espuma da superfície dos acontecimentos. Esses são os imbecis a quem a poesia não abre as portas. Só tereis uma explicação lógica e plausível para os falhanços da humanidade pelos olhos dos inocentes
A revolução perde-se quando perde a sucessão dos breves momentos, nas alturas em que a propriedade privada é contestada pelo corpo em delírio.
Se sei o que sei sobre este assunto não é porque a minha filosofia seja profunda ou aprimorada, mas porque me foi revelado no corpo ardente daquela mulher burguesa"
Excertos do meu romance: O QUE EU ANDEI PARA AQUI CHEGAR
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010
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